As minhas primeiras palavras são para o Sr. deputado Jorge Lacão, que se despede hoje da Assembleia Municipal. São palavras para desejar felicidades pessoais, profissionais e políticas. São palavras de gratidão em nome da comunidade abrantina.
Celebra hoje
connosco quase 40 anos ao serviço da democracia, da liberdade, da construção do
ideal de Abril. Ao serviço do município e do país.
São palavras de
profunda admiração pelo exemplo de cidadania.
Quero dizer-lhe
que para a presidente da Câmara, foi um privilégio tê-lo como presidente desta
assembleia municipal. Contar com a sua experiência, com a independência com que
sempre soube conduzir as reuniões, dignifica a democracia e o poder local
democrático.
Para mim, é um
privilégio contar com a sua amizade. Obrigada.
Coincidência ou
não estamos na sua escola. Escola que o viu crescer e fazer-se o homem de quem
nos orgulhamos. Escola que teve a oportunidade de ver requalificada quando
exercia as funções de ministro dos Assuntos Parlamentares e que pôde inaugurar.
É um exemplo daquilo que pôde fazer pela sua, que é a nossa comunidade.
Sabemos que
podemos continuar a contar consigo. Sempre. É isso reconforta-nos.
“ Os homens de
carater firme são as colunas mestras da sociedade a que pertencem”, cito Ralph
Emerson.
Celebramos Portugal livre e democrático.
Portugal viveu metade do século passado resignado:
um país pobre, sem educação, sem cultura e sem ciência. Um país desigual: de
homens e mulheres, de ricos e pobres, de lisboa e de resto paisagem. “Uma nação
sem originalidade, que nada cria, inventa ou descobre, e apenas vive de
empréstimos materiais ou espirituais, se ainda conserva a sua autonomia, não
está longe de perde-la” afirmava Bernardino Machado em 1904.
Com o 25 de Abril, iniciámos um novo ciclo. Quisemos
ultrapassar as nossas debilidades e colocar-nos a par da Europa onde entretanto
fomos integrados.
Investimos em infraestruturas de saneamento básico,
condições essenciais para aumentar a qualidade de vida das pessoas.
Investimos na saúde, nomeadamente na prevenção.
Recordar-se-ão da saúde à periferia.
Na educação, aumentando a escolaridade obrigatória e
recentemente com a requalificação do parque escolar.
Na cultura com a criação de uma rede de bibliotecas
municipais, de teatros municipais.
Criámos uma rede de infraestruturas
científico-tecnológicas que cria valor acrescentado à nossa economia.
Investimos numa base produtiva que está longe do
ideal, mas que deu passos de gigante, e que até então não estava nos desígnios
da nação. Não eramos, nem fomos um país preparado para produzir, para criar
conhecimento, ciência ou tecnologia.
Hoje podemos ter orgulho dos níveis de qualificação,
da educação e da ciência, que atingimos.
Sabemos que é preciso fazer mais e melhor,
nomeadamente alocar os recursos de forma a permitir o desenvolvimento de uma
base produtiva sustentável que permita alavancar a economia e o desenvolvimento
social.
Portugal precisa de desenvolver uma estratégia de
crescimento económico que assente no conhecimento, na tecnologia e na ciência.
Precisamos de mais qualificação e mais emprego. Nunca como agora o país viu
sair os seus, os melhores, à procura de oportunidade. Nunca como agora o país
atingiu um nível de desemprego que afeta todos e em especial os jovens.
A par desta estratégia o Estado tem que se adaptar,
tornar-se mais amigo e mais próximo dos cidadãos e das empresas. Um Estado mais
eficiente, mais eficaz, mas acima de tudo, mais justo.
“A crise não pode ser um pretexto para regressarmos
ao passado. Temos direito a um país livre, a um país limpo, a um país justo”
(Sophia de Mello Breyner).
A crise que se abateu sobre Portugal e sobre a
Europa, fragilizando-nos mais do que aos outros, não pode ser a razão para nos
fazer olhar para trás em vez de nos projetar para a frente. Queremos futuro e
não passado.
No atual contexto, lembro os projetos suspensos, sem
andamento ou que se prevê possam retroceder e que comprometem o desenvolvimento
de Abrantes e da região:
· A
suspensão da construção do IC9 e da travessia do Tejo junto ao Tramagal; via
estruturante para a manutenção do investimento estrangeiro, no Tramagal, a
Mitsubishi;
· A
suspensão das obras da Escola Dr. Manuel Fernandes, que atualmente funciona a
dois tempos, a parte nova e a parte velha altamente degradada, e que se exige
requalificada por inteiro de modo a proporcionar as melhores condições para o
desenvolvimento dos melhores projetos educativos;
· A
implementação do balcão do empreendedor e do licenciamento zero, processos em
que o município de Abrantes é piloto e que aguarda condições para a sua
conclusão e a entrada em produção, condições essas que dependem da
administração central;
· A
introdução de portagens com valores absolutamente proibitivos que impedem a sua
utilização pelos nossos cidadãos e empresas;
· A
anunciada alteração das atividades de enriquecimento curricular que pode levar
à sua extinção ou à exigência de pagamento por parte dos encarregados de
educação, que já viram os seus salários reduzidos e seus impostos aumentados.
O poder local democrático nascido de abril de 74
foi, é, e queremos que continue a ser o alicerce da democracia em Portugal.
Posso afirmá-lo com toda a convicção que foi graças aos homens e mulheres que
assumiram as Câmaras, as Juntas de Freguesia, que o país pôde desenvolver-se e
diminuir as assimetrias.
Segundo dados da OCDE, o poder local democrático em
Portugal, e quando comparado com outros países, faz mais, com menos. Porque não
lhe são transferidas as competências necessárias e porque o envelope financeiro
não é suficiente para ir ao encontro das necessidades dos seus concidadãos. Diz
ainda o estudo que em países como Portugal, que tiveram ajuda financeira do
FMI, a descentralização da ação do Estado é reduzida, colocando-se questões
sobre a eficácia na afetação e gestão dos recursos.
As autarquias estão na primeira linha de resposta em
qualquer momento, mesmo nas alturas mais conturbadas. Respondendo às
necessidades e expectativas das pessoas. Desenvolvendo políticas de
proximidade. Criando condições para tornar o seu território mais competitivo.
Desenvolvendo políticas de coesão.
Extravasando as suas competências, mas sempre com o
fim último, o do servir os seus cidadãos. Na conjuntura atual, quando as
famílias se encontram mais vulneráveis do que nunca, são as Câmaras Municipais
que se substituem ao Estado para garantir o acesso às condições essenciais para
manter a dignidade humana.
Se numa primeira fase a ação do poder local quer
corresponder no sentido de satisfazer as necessidades básicas e à melhoria das
condições de vida das populações, hoje quer assumir-se como dinamizador dos
agentes sociais, utilizando os recursos disponíveis.
Mas em contrapartida aquilo que assistimos é o
ataque feroz ao poder local. As reformas em curso não pretendem dignificar o
poder local, antes pretendem a sua extinção sem a participação dos cidadãos.
Veja-se a extinção das freguesias ou a lei das competências municipais.
As autarquias são o bode expiatório do défice
financeiro e o alvo de todas as críticas. As reformas, necessárias, todos
concordamos, apenas têm como preocupação as questões contabilísticas,
esquecendo as pessoas.
É a falta de visão estratégica que empurra de novo o
país para a pobreza.
No tempo que vivemos é muito difícil ter um discurso
otimista. As consequências da política de austeridade e da falta de
sensibilidade social, abre frechas terríveis no povo português.
Mas nós não nos calamos, não nos queremos resignar,
não nos demitimos.
Dizemos presente na vida das pessoas, das famílias e
das empresas.
“Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que
diz não” como diz Manuel Alegre na "Trova do vento que passa".
Temos o desafio de nos superarmos todos os dias.
Criando, inovando. Fazendo no quotidiano um novo Abril. Nas pequenas e nas
coisas maiores.
Citando Antero “Chegou a hora de agir, de responder
a um país que não pode tornar-se cético a ponto de descrer da própria vida”.
Vale a pena celebrar Abril?
Apesar dos atropelos aos ideais, valores e
conquistas de Abril, vale a pena continuar a comemorar e assinalar a primavera
de 74. Para não perdermos o rumo. Para lembrar o que eramos, o que passámos a
ser, mas essencialmente para dizermos o que queremos ser.
E se eramos um povo inundado por uma obscuridade,
com Abril conquistámos a democracia. Ganhámos a liberdade. E é a liberdade que queremos
preservar. Como sinónimo de vontade, de compromisso e despojamento.
Sinónimos que cada um de nós tem de apreender para
dar sentido à sua vida individual e coletiva.
É de futuro que falamos quando celebramos Abril.
O futuro precisa de cada um de nós.
O futuro conta connosco. Juntos, solidários e
livres.
Como diz Miguel Torga “é necessário que esgotado o
cálice da amargura, surja a bebedeira de esperança. A humanidade quer seguir
viagem”.
Viva Portugal, viva Abrantes, viva Abril, sempre!
Maria do Céu Albuquerque
(discurso proferido da sessão comemorativa do 39º
aniversário do 25 de Abril, em Abrantes.)